Bioca e a rastreabilidade da cadeia produtiva: um caminho sem volta

BIOMA FOOD HUB
9 min readNov 17, 2022

Entrevista com Thomaz Falcão, fundador da BIOCA sobre a importância da rastreabilidade, transparência e credibilidade de cadeias de suprimento, em um novo paradigma na indústria alimentícia

Como nasceu a Bioca?
A Bioca nasceu a partir de uma demanda que eu enxerguei ao longo da minha carreira que é ter mais transparência nas cadeias de suprimento. Eu trabalhei em algumas indústrias como a do chocolate, do açaí e outras foodtechs e sempre senti essa necessidade de conhecer um pouco mais sobre o produto e sua origem e também de humanizar a relação entre produtores e consumidores, porque acaba que fica muito de uma empresa para a outra, sendo que tem pessoas ali no meio. Eu tinha essa ideia e descobri na Blockchain uma ferramenta que poderia servir para fazer essa ponte que me ajudaria a implementar essa essa visão, que eu acredito muito, de humanizar mais as cadeias de suprimento, de trazer uma conexão; uma ponta conhecer a outra. Porque a blockchain é um banco de dados aberto e acessível para todos. Essa ferramenta tecnológica que hoje em dia é muito utilizada para o mercado financeiro, também funciona para registrar todas as etapas de uma produção em uma cadeia de suprimentos.

Com qual cadeia de suprimento vocês começaram?
Começamos com o cacau no sul da Bahia que era uma cadeia que eu já tinha algum conhecimento por causa do Brownie do Luiz e da Amma Chocolates, onde trabalhei. Nós produzíamos o brownie e eu sempre ficava me perguntando; “poxa, mas de onde vem esse cacau”? E foi essa a história: eu fundei o Brownie do Luiz e ao passo que fomos crescendo, comecei a me questionar qual era a nossa cadeia de valor, da onde vinham as matérias primas dos nossos produtos. E percebi que comprávamos o chocolate em pó da Nestlé que compra cacau lá da África. Mas nós gostaríamos de fazer um produto 100% brasileiro, com cacau do Brasil. Falamos com a Bela Gil para fazer uma receita e eu fui para a Bahia pesquisar alguns fornecedores de cacau. Quando eu cheguei lá, dei de cara com uma realidade que quem está nas cidades não conhece… o Brasil tem um potencial enorme de produção de cacau e a gente não sabia, não aproveitava. Dai eu acabei fazendo essa transição, fui morar lá na fazenda da Amma, fiquei cuidando da parte de supply chain, desenvolvendo fornecedores, certificando assentamentos orgânicos. Fui de uma pontinha da cadeia de valor, vendendo brownie no Leblon feito com Nescau, para o ponto inicial da produção de cacau na mata Atlântica. Eu fiquei come esse sentimento de que é importante a gente entender qual é a origem do que consumimos, entender qual é o impacto real que isso gera.

Então a Bioca é uma ferramenta de tecnologia da informação, certo? Você quer oferecer essa ferramenta para várias indústrias ou só para a cadeia produtiva do cacau?
Isso, é uma ferramenta de tecnologia, estamos desenvolvendo um app. Mas o cacau foi um primeiro piloto que fizemos para poder testar, validar a ideia. A grande questão da blockchain é que ela escala confiança, seja numa transação financeira, seja uma transação na cadeia de suprimentos. Porque cada ator que vai participar daquela cadeia; o agricultor, o transportador; cada um terá um usuário no app da Bioca e depois isso ficará transparente para quem quiser ver. A ideia é replicar para outras cadeias de suprimento, principalmente em produtos da floresta que ainda não tem ferramentas de rastreamento, ou seja o açaí, castanhas, produtos orgânicos…. produtos que já tem um valor atrelado mas que muitas vezes não consegue capturar esse valor porque os consumidores não têm informação. Existe uma assimetria de informação… a gente acredita que as pessoas têm valores sustentáveis e querem consumir produtos sustentáveis mas elas não têm de onde extrair informação para essa tomada de decisão, então a gente quis oferecer uma ferramenta para diminuir essa assimetria e levar isso para o consumidor final. O primeiro passo é colocar o app de pé, funcionando, trazer todos os elos desta cadeia de suprimento para utilizar a nossa plataforma e depois levar isso para o consumidor final para educar ele e de alguma forma conscientizar qual o impacto que ele esta gerando com seu consumo. Também queremos atrelar isso à métricas socioambientais, criando uma plataforma de transparência e de conhecimento de cadeias produtivas.

A princípio a Bioca resolverá um grande problema de transparência e rastreamento das cadeias de suprimento, mas não necessariamente trará soluções relacionadas à sustentabilidade para tais cadeias
A ideia é, aos poucos, ir adicionando funcionalidades à plataforma para conseguirmos coletar esses indicadores socioambientais. Como por exemplo: qual é o salário dos agricultores envolvidos no processo de extração deste cacau? Qual o impacto que a plantação deste alimento gera na biodiversidade da fazenda? Nós temos uma visão de longo prazo e queremos inserir essas informações ambientais na plataforma, porque assim conseguimos transformar os dados coletados em indicadores de sustentabilidade e depois levar essa informação para o consumidor final ou para os próprios compradores de matéria prima dentro das indústrias. Quando mapeamos a cadeia de suprimentos e começamos a medir esses impactos, acabamos encontrando gargalos que, às vezes, podem servir para indicar processos melhores. Colocamos luz em alguma coisa que acabava ficando escondida, então, quando você sinaliza e enxerga o problema, fica mais fácil de começar a agir e resolver.

Interessante porque isso poderia virar um fator competitivo para os produtores com práticas sustentáveis e um fator decisivo de compras para o consumidor final, né?
Essa é a ideia, queremos que essas informações consigam gerar mais credibilidade para os fornecedores perante seus clientes ou perante o mercado, inclusive para importação. Algumas empresas lá fora já tem muito mais essa consciência, aqui no Brasil ainda é incipiente, mas a gente acredita que é um movimento que não tem mais volta, então estamos nos adiantando e às vezes é difícil as pessoas entenderem o real valor de uma cadeia de suprimentos transparente, mas acredito que seja um caminho sem volta, cada vez mais as pessoas vão estar interessadas em saber de onde veio o café que elas tomam, o leite, etc…

Com as crises climáticas também tem muito a questão da resiliência das cadeias de suprimentos. Durante a pandemia ficou claro que as cadeias lineares são muito vulneráveis à interferências externas e vários produtos ficaram escassos nos mercados. Quando a cadeia é mais circular, ela é mais resiliente a choques e essas informações ficariam mais visíveis com o rastreamento…
Sim, a gente acaba criando uma economia de rede. Também queremos criar uma conexão direta com o produtor, por exemplo, eu recebi uma cesta de vegetais da sua fazenda e vejo pelo app que foi o seu João que plantou e colheu aquele brócolis que eu achei muito bom e eu quero remunerar diretamente o seu João por isso, como eu faço? Hoje não tem como. Mas como a Bioca teria esses elos conectados e transparentes, o consumidor poderia mandar uma remuneração ou avaliar o seu João, gerar mais conexões nessa cadeia que é um pouco perdida e fica centralizado nos supermercados, hortifruti…

Tem previsão de colocar o app no mercado?
Estamos muito perto de entregar, até o final do ano o app estará funcionando na fazenda teste que fica em Serra Grande, Bahia, para a gente poder implementar, testar, treinar todo mundo. Queremos muito ver os agricultores baixarem o app em seus celulares para que isso facilite a gestão das fazendas, ao invés de escreverem em uma prancheta o acompanhamento do diário de campo deles. No final vai sair uma saca de cacau com QR code, identificando todos os dados e informações daquele cacau, com geolocalização de cada etapa da produção mapeada e que depois vai chegar numa fábrica e quando a fábrica processar esse lote num produto, o consumidor final vai poder saber exatamente da onde veio o cacau que fez o chocolate dele e todo o processamento.

Se eu sou uma marca que já vende produtos em supermercados, mas quero passar a ter essas informações sobre minha cadeia produtiva, é só baixar o app da Bioca?
Sim, a gente teria que fazer algumas adaptações, pequenos ajustes nestes módulos para podermos mapear a produção deste produto específico. Informações sobre a colheita, beneficiamento e entender qual seria a melhor forma de registrar no app, seja com foto, vídeo ou com a própria informação do lote. E, a partir daí, começamos a gerar uma cadeia de informações. Isso é blockchain, uma cadeia de blocos, de informações que vai ficar associada a um token ou um NFT. Cada lote que é rastreado no app da Bioca se transforma num totem que carrega todas essas informações. Estamos produzindo um aplicativo modular.

Como vocês categorizam os índices socioambientais que estarão no app? Porque envolve tanta coisa, como foi esse processo de identificação dos melhores índices para gerar estes dados?
A gente fez algumas consultorias com engenheiros agrônomos e engenheiros florestais que nos ajudaram a identificar e mensurar estes índices e sempre tem uma ponte com alguém que está na fazenda e na fábrica, que trás essa especificidade. Por exemplo, na fazenda de cacau, fizemos um trabalho bem próximo do gestor da fazenda para saber exatamente o que é preciso para aquela cadeia. É um trabalho extremamente tailormade e especializado mas que ao mesmo tempo consegue ser escalável para o negócio poder girar e fazer sentido.

Acredito que hoje exista um grande desafio para as marcas que é a credibilidade das informações. Ainda mais com essa questão de pegada de carbono, tem muito greenwashing, então as pessoas ficam um pouco mais desconfiadas. A Bioca resolveria esse problema de credibilidade também por parte do consumidor…
Foi a partir deste insight que surgiu a Bioca. Esses selos de orgânico ou de empresas do sistema B… o que isso quer dizer? O que está por trás disso? A nossa ideia era colocar o QR Code nas embalagens em que você apontasse o celular e lá vinham todas essas informações de uma forma fácil do consumidor final entender. A gente chegou a criar um piloto de um QR Code que levasse para o metaverso e você pudesse ver a fazenda, ver o agricultor e trazer essa profundidade de informação e essa transparência. Mas é difícil ainda, acho que o mercado ainda não está preparado de uma forma geral. Mas partiu exatamente disso, o que esse selo de orgânicos me diz? Foi um auditor que foi lá e deu uma canetada e disse que é orgânico? O que mais tem por trás disso, quem mais está envolvido? Onde fica a fazenda? Como esse solo foi preparado?

Com a Bioca você também pode acabar desenvolvendo um selo próprio de rastreabilidade?
Essa também é a ideia, mas de novo, visão de médio e longo prazo… depois que o app estiver funcionando, queremos fazer esse selo de rastreabilidade.

Já existe alguma coisa assim no mercado?
Existe lá fora voltando mais para cosméticos, indicando a presença de agrotóxicos, embalagem compostável. Também tem uns selos voltados para indústria têxtil aqui no Brasil, mas para esse first mile da agricultura, ninguém ainda está se dedicando. Para a pecuária já tem bastante mas elas são mais mecanizadas e exportam muito, mas essa tarefa de chegar no pequeno produtor, no agricultor familiar é muito difícil, ninguém está olhando, então a gente entende que essa pode ser uma oportunidade.

A Bioca é bem focada para negócios, principalmente aqueles que estão buscando se aprofundar em métricas ESG, mas a informação que vocês querem disponibilizar para os consumidores finais também pode influenciar o mercado por este lado…
Exatamente. A gente quer que a Bioca seja B2B mas ela também é B2B2C porque o consumidor precisa demandar isso da empresa. A gente não pode esperar que só a empresa queira fazer isso de forma proativa, ela pode fazer também através do que os consumidores estão pedindo, então também vislumbramos essa ponta de engajamento com o consumidor final. O sonho é esse, da gente conseguir se conectar, se comunicar com o agricultor que está produzindo nossa comida. E como a gente vai fazer isso? São várias etapas que estamos cumprindo. Mas a ideia nasceu disso, eu estava fazendo brownie aqui na cidade e deu algum estalo na minha cabeça que eu acabei numa fazenda de cacau no sul da Bahia e essa foi uma experiência muito positiva pra mim, muito transformadora e eu queria poder replicar isso, para que as pessoas pudessem ter essa experiência também, só que na ponta do celular. Porque você acaba tendo uma outra perspectiva do valor daquilo que você está comendo. Essa é a idéia: levar essa experiência de poder conectar as pessoas com a origem dos produtos que elas consomem, através de uma experiência amigável, pelo celular, na ponta do dedo. tanto para o consumidor final quanto para o agricultor, o transportador poder inserir essas informações fazer uma experiência sem fricção, agradável, que não fosse penosas, cheia de dados e planilhas… não a gente queria fugir disso, melhorar a experiência e fazer as pessoas se conectarem com a origem daquilo que elas consomem.

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